Friday, December 30, 2005

Ritual do amigo íntimo

um aceno pra vc
um sorriso
um olhar de cumplicidade e vontade
um oi
um aperto de mão
um abraço
um beijo de leve
(pode escolher em qual bochecha)
segurando tua cabeça
e fazendo cafuné na nuca
um suspiro
outro sorriso
um ritmo sincronizado
no peito e na cabeça
palavras das boas
sensações de conforto
um sofá
um carinho
uma bira
um cigarrinho
e até que enfim
um emo tocando
o nosso caminho
para um beijinho
que começa bem devagarinho
e continua detalhista
relaxante e excitante
encantando e animando
risadinhas
essas coisinhas
bobinhas
e gostosinhas
tipo ventinho de menta
soprando na alma
um dia na praia
no sol, na sombra
em algum cantinho
a gente
sente o gostinho
de gostar do outro
ta, querido?
bom ano novo
beijinho nocê
corpinho de anjinho

Tuesday, December 27, 2005

Mamãe Noel

Sabe por que Papai Noel não existe? Porque é homem. Dá para acreditar que um homem vai se preocupar em escolher o presente de cada pessoa da família, ele que nem compra as próprias meias? Que vai carregar nas costas um saco pesadíssimo, ele que reclama até para colocar o lixo no corredor? Que toparia usar vermelho dos pés à cabeça, ele que só abandonou o marrom depois que conheceu o azul-marinho? Que andaria num trenó puxado por renas, sem ar-condicionado, direção hidráulica e air-bag? Que pagaria o mico de descer por uma chaminé para receber em troca o sorriso das criancinhas? Ele não faria isso nem pelo sorriso da Luana Piovani! Mamãe Noel, sim, existe.


Quem é a melhor amiga do Molocoton, quem sabe a diferença entre a Mulan e a Esmeralda, quem conhece o nome de todas as Chiquititas, quem merecia ser sócia-majoritária da Superfestas? Não é o bom velhinho.

Quem coloca guirlandas nas portas, velas perfumadas nos castiçais, arranjos e flores vermelhas pela casa? Quem monta a árvore de Natal, harmonizando bolas, anjos, fitas e luzinhas, e deixando tudo combinando com o sofá e os tapetes? E quem desmonta essa parafernália toda no dia 6 de janeiro?

Papai Noel ainda está de ressaca no Dia de Reis. Quem enche a geladeira de cerveja, coca-cola e champanhe? Quem providencia o peru, o arroz à grega, o sarrabulho, as castanhas, o musse de atum, as lentilhas, os guardanapinhos decorados, os cálices lavadinhos, a toalha bem passada e ainda lembra de deixar algum disco meloso à mão?

Quem lembra de dar uma lembrancinha para o zelador, o porteiro, o carteiro, o entregador de jornal, o cabeleireiro, a diarista? Quem compra o presente do amigo-secreto do escritório do Papai Noel? Deveria ser o próprio, tão magnânimo, mas ele não tem tempo para essas coisas. Anda muito requisitado como garoto-propaganda.

Enquanto Papai Noel distribui beijos e pirulitos, bem acomodado em seu trono no shopping, quem entra em todas as lojas, pesquisa todos os preços, carrega sacolas, confere listas, lembra da sogra, do sogro, dos cunhados, dos irmãos, entra no cheque especial, deixa o carro no sol e chega em casa sofrendo porque comprou os mesmos presentes do ano passado?

Por trás do protagonista desse megaevento chamado Natal existe alguém em quem todos deveriam acreditar mais.

(Dezembro de 1998).
Texto extraído do livro "Trem-bala", L&PM Editores - Porto Alegre, 2002, pág. 177.

Monday, December 26, 2005

Amor e tal

aproveitando o clima de Natal e ano novo
- e o familiar -
posto uns textos que gostei de encontrar




I
"A cada dia que VIVO, mais me convenço de que o
desperdício da vida está no amor que não damos,
nas forças que não usamos, na prudência egoísta que
Nada arrisca, e que, esquivando-se do sofrimento,
perdemos também a felicidade"
(Carlos Drummond de Andrade)

II
"O amor é que é essencial. O sexo é só um acidente. Pode ser igual ou diferente"
(Fernando Pessoa)


III
Vou falar de amor, mas não vou falar sobre ursinhos de pelúcia nem sobre bombons. O momento é ideal para falar de sacanagem.
Se dei a impressão de que o assunto será ménages à trois, sexo selvagem e práticas perversas, sinto muito desiludi-lo(a).

Pretendo, sim, falar das sacanagens que fizeram com a gente. Fizeram a gente acreditar que o amor mesmo, amor pra valer, só acontece uma vez, geralmente antes do 30 anos.
Não contaram pra nós que o amor é racionado e nem chega com hora marcada.
Fizeram a gente acreditar que cada um de nós é a metade de uma laranja, e que a vida só ganha sentido
quando encontramos a outra metade.Não contaram que nascemos inteiros, que ninguém em nossa vida merece carregar nas costas a responsabilidade de completar o que nos falta: a gente cresce através da gente mesmo. Se estivermos em boa companhia, só é mais rápido.

Fizeram a gente acreditar numa fórmula chamada "dois em um", duas pessoas pensando igual, agindo igual, que isso era que funcionava. Nâo nos contaram que isso tem nome: anulação. Que só sendo indivíduos com personalidade própria que poderemos ter uma relação saudável.

Fizeram a gente acreditar que o casamento era obrigatório e que desejos fora de hora devem ser reprimidos.

Fizeram a gente acreditar que os bonitos e magros são mais amados, que os que transam pouco são caretas, que os que transam muito não são confiáveis, e que sempre deve haver um chinelo velho para um pé torto. Ninguém nos disse que chinelos velhos também têm seu valor, já que não nos machucam, e que existem mais cabeças tortas do que pés.

Fizeram a gente acreditar que só há uma fórmula de ser feliz, a mesma para todos, e os que escapam dela estão condenados à marginalidade.

Não nos contaram que estas fórmulas dão errado, frustram as pessoas, são alienantes, e que poderíamos tentar outras alternativas menos convencionais.

Sexo não é sacanagem. Sexo é uma coisa natural, simples - só é ruim quando feito sem vontade. Sacanagem é outra coisa. É nos condicionarem a um amor cheio de regras e princípios, sem ter o direito à leveza e ao prazer que nos proporcionam as coisas escolhidas por nós mesmos.

(Martha Medeiros)